domingo, 18 de agosto de 2013

Um passeio pelo passado...

Á medida que voltava a ficar sereno, cada vez mais, depois de cada passo a minha honra se reconstrói lentamente, como quando se recoloca cada pedra no lugar depois depois de um castelo ser atacado. Sinto as pernas estáveis novamente, o tilintar da espada, enquanto a sua bainha de couro e ferro colide calmamente contra a minha armadura, esse som acalma-me, recorda-me que ainda terei muito para caminhar até que deixe de o ouvir.
Ao caminhar volto a observar o liso chão e penso agora se não será gelo de pedra ou pedra gelada? É simplesmente perfeito como o gelo nas terras do norte e é cinzento como as rochas das montanhas.
É tão suave... Fecho os olhos e sinto-me a passear no interior do castelo do Meu Senhor, sinto os largos tapetes que decoram o chão, aquele cheiro frio da pedra e o suave sabor da madeira envelhecida que se alastra pelos tectos e paredes.
Já faz um inverno que eu não visito o meu lar, desde que parti em missão para encontrar o sobrinho desaparecido do Rei, pergunto-me se irei mesmo encontrá-lo se não terá ele fugido por vontade própria, sempre se mostrou irado e inadptado por habitar tal Castelo. A sua teimosia superava a de qualquer ancião impaciente, quando tenta forçar a sua visão do mundo nnas mentes mais férteis e jovens.

A distância do passado segue-me por onde vá, através da minha sombra, das pequenas marcas de cansaço que se vão assentando no meu rosto, as mãos jovens que começam a marcar o tempo pela paragem de crescimento.
Derrepente enquanto recordo o passado, a face de um pequeno miúdo sorridente invade o meu pensamento. Uma memória só minha. A primeira vez que vi o meu reflexo. Ali estava uma criatura nova e curiosa que se via pela primeira vez, reflectido no espelho que água do lago formava. Cabelos castanhos aclarados cobriam a face do jovem rapaz, os seus olhos azuis brilhavam de alegria e o seu largo sorriso iluminava toda a cara, elevando as maçãs do rosto vivamente.
Sentia-me deslumbrado por "conhecer-me". Quanto mais observava, mais sorria e mais radiante ficava, até que a minha figura foi desfeita por ondulações sucessivas criadas no centro da minha face.
Alguém atirou um seixo para o lago e distorceu o meu retrato de origem natural. Ao erguer a cabeça avisto um rapaz de cabelo encaracolado, era aquele inimigo amigável dos meus tempos de aprendiz. Infelizmente não me recordo da face..

Ao voltar á realidade deparo-me agora com a silhueta de uma pequena menina no meio do caminho com cabelo... Vermelho?!

terça-feira, 13 de agosto de 2013

A Beleza Incontestável

Segui pelo caminho enfeitado pelos esguios espetos metálicos, todos são iguais, criados uns á semelhança dos outros, não têm uma única diferença  entre si, todos têm a mesma altura, as mesmas esferas de vidro e todos são negros como o carvão.
Decidi seguir em frente, olhei para o Sol bem alto no céu e segui para onde irá descer e tocar as grandes águas frias, onde acabará por mergulhar e dar lugar á sagrada Lua.
Enquanto percorro o caminho cinzento reparo num grande elemento que não havia dado conta da sua presença. Recordo a existência de árvores, enxames, quase intermináveis, seguidas umas ás outras, em que em certas zonas, quase não existia espaço entre elas. Pinheiros, carvalhos, choupos, todo um misto de raças, todas elas verdejantes.
Agora no seu lugar, vejo um muro negro, que cobre tanto o lardo esquerdo, como o lado direito da minha visão, duas linhas paralelas que se extendem até ao fim do visível, sendo maior que os eucaliptos metálicos. Do outro lado não consigo avistar nada, apenas o céu azul com umas pinceladas de nuvens que completam a figura celestial.
Um muro que me relembra aldeias e vilas do norte, pelas quais vagueei no passado, vilas do meu reino. Esses muros, compostos por finas fatias de rocha negra, sobrepostas sobre milhares de outras tantas semelhantes. Todas são irregulares, formando um padrão natural tanto equilibrado pela sua solidez da constucção, como caótico pela cor das rochas e pelas suas falhas. Esses grandes muros que passaram despercebidos aos meus olhos ainda naucateados têm também algo que nunca vi na minha breve vida. Pequenas trepadeiras, finas, acompanham todo o seu comprimento, de tantos e tantos passos, florescem um tipo de lírios vermelhos, mas não são lírios comuns, aliás, são como nunca vi, têm uma forma característica, inimaginável para a mente humana. Desafia o conceito conhecido de natureza pelos sábios.
As suas pétalas são formadas umas das outras, como se ao nascerem fossem torcidas uma a uma, apresentam uma composição que parece arcana, não parece natural. A sua cor que se assemelha ao fogo, tendo tons de laranja, ocre e vermelho, porém não possui o aspecto do fogo, mas talvez o aspecto da areia ao fundir. Uma cor hipnotizante, só o que consigo descrever.
Ao desviar a atenção das maravilhosas flores, continuo a percorrer o caminho cinza, e quando volto a focar a atenção ao meu destino, quase que colido com algo negro e enorme. Outro muro igual ao que estava a observar. Percebi que cheguei ao fim do caminho. Os cinco passos que senti ter dado enquanto admirava as chamas florais, foram na realidade, mais de duzentos, já nem consigo avistar a fenda no caminho onde estava a "Sabedoria" enterrada.
Cheguei agora a um cruzamento, onde posso escolher continuar a minha procura de repostas, pela esquerda ou pela direita. Posso também voltar para trás.
Analizo ambas as hipóteses, e percebo que estou numa espécie de labirinto, ambos os caminhos são semelhantes, os dois seguem em frente, e depois curvam na sua direcção. Os muros são exactamente iguais, em ambos os lados também. Quem seria a mente que havia desenhado este lugar?
Optei pela esquerda, pois algo me diz que irei encontrar vida por este lado. Afasto-me do muro central e desloco-me em direcção á ala esquerda. De passos serenos vou pisando o tapete cinzento, que ao fim de alguns minutos se mantém igual, que insanidade. Sinto que quanto mais ando menos me movo. O Sol agora desloca-se para a direita, já vai a mais de meio do seu percurso, e eu ainda nenhuma reposta tenho sobre o meu paradeiro.

Passado algum tempo a caminhar, enquanto o aborrecimento se vai apoderando da minha boca, começo a notar uma diferença nas flores fogosas dos muros... Não percebi que haviam mudado de cor. Agora em vez de vermelhas e ardentes, são azuis e frias, lembrando água, como que gotas suspensas nas eras. A sua forma agora em vez de ser torcida e espicaçada é arrendondada e volumosa, como ameixas. Um azul profundo com ligeiros detalhes brancos e indigo. Estas não hipnotizam, pelo contrário arrefecem só de olhar, a minha armadura que era suportável agora parece ser feita de gelo...
Vou caminhando mais um pouco e ao fim da curva vejo algo erguido sobre um o que parece ser água flutuante?
Á medida que me aproximo, vejo que se trata de uma estátua... Uma beleza... Uma beldade... Uma mulher nua!

Fico desconfortável com aquela presença... O frio que há segundos sentira aquece aceleradamente. A minha cara começa aquecer ainda mais, sinto as faces ficarem coradas... Sinto-me envergonhado... Ainda não tinha contemplado a beleza de uma mulher nua.. Sinto-me uma criança a olhar para um castelo enorme...
A mulher veste um pequeno sorriso que faz tremer os meus joelhos, ouça a minha armadura tilintar..
Ela tem o cabelo preso no cimo da nuca, as suas mãos estão posicionadas delicadamente nos ombros, tocando-lhes com as costas dos dedos enquanto que uma toca apenas com as pontas dos delicados dedos..
Os seus seios arredondados e naturalmente soltos... Que beldade...
As suas pernas estão ligeiramente inclinadas, ficando com os joelhos um pouco saídos... Quase que se move, e a sua graciosidade é inocente..
Mas o que estou eu a dizer?? Uma mulher não deve estar nua assim! É uma indelicadeza uma mulher tão bela se expor a quem quiser observá-la!

Sinto algo na minha armadura se expressar por mim... Algo que me gera um conforto desconfortável... Como se fosse uma sensação prazerosa e atormentadora..

Abano a cabeça e nego! Não devo deixar-me levar pelos desejos carnais! É uma estátua e eu sou um cavaleiro! Devo manter a honra! Afasto-me lentamente sempre olhando nos olhos da mulher. Quando começo a deixar de a avistar acalmo, e encosto-me ao muro...
Que cenário... Não é correcto pensar o que pensei... Vou continuar a minha busca por respostas, e desta vez não serei enganado pelos meus desejos.. Sinto que o conforto já despareceu. Volto a erguer-me e começo a dirigir-me ao cruzamento.

Algo me diz que esta espécie de labirinto irá enlouquecer-me.. Não posso perder-me da "Sabedoria" novamente..

sábado, 10 de agosto de 2013

Sentindo a "Sabedoria" na ponta dos dedos

Ao erguer o corpo que mais pesado fica pela armadura que visto, apoiando maior parte do peso no braço esquerdo, aquele que em cada batalha e descoberta sustém graciosamente o meu escudo, é o que mais se esforça dos dois. Num movimento ágil, tendo agora os dois pés assentes no solo cinzento, dirijo-me á fiel espada que se enterrou no manto polido cinza. Quando agarro no cabo para tomar posse dela novamente, sinto-a mais pesada, como se tivesse sido reforjada sem eu saber. Ao puxá-la do chão, sinto um esforço implacável no ombro, as veias do braço preenchem-se, os músculos do braço contraiem-se e ela não se movimenta nem um pouco. Como é possível? Aquela espada havia sido forjada só para para a minha mão, o peso ideal para fluir naturalmente a cada golpe, feita de aço com gravações no cabo e no vinco. O seu nome. "Sabedoria", batizada por apenas ser utilizada com sabedoria, manchá-la de sangue sem justa causa, não seria digna de ter tal nome. Desde que me tornei cavaleiro esta companheira sempre esteve do meu lado e salvou-me em momentos bastante difíceis, criei um elo com ela bastante especial, apesar de ser um mero objecto, uma arma, a minha ligação interna com ela é superior a alguma ligação com outro ser. Digo isto como certo porque ela jamais me falhará, se eu lhe exigir um golpe rápido na perna do meu oponente, ela responderá sem hesitação. Quando toco no cabo sinto como que uma corrente que me prende a ela, que fortalece a minha ligação. Talvez sejam hábitos de quando aprendi a manejá-la. Apenas sei afirmar que ela faz tão parte de mim como eu dela.

Não faz sentido que eu não a consiga erguer, não compreendo o que está errado, será que a minha honra por ter perdido os sentidos foi levada e com ela o direito de empunhar a "Sabedoria"? Também não entendo porque ela está desembainhada e porque está enterrada no solo... Alguém terá aproveitado enquanto estava inconsciente e me profanou a companheira, como que se de uma mulher esturpada se tratasse... Quem se terá aproveitado da minha inconsciência? Quem seria cobarde ao ponto de fazer algo desta natureza?
Puxo a espada, ela não se move, agarro o cabo com as duas mãos e puxo novamente exercendo força nas costas e nos braços. A " Sabedoria" permanece inalterada, como se nem tentasse movê-la, nem um chirrido do aço. Nada. Sento-me em frente a ela, incrédulo por não compreender o que se passa, sinto uma impotência e uma enorme vaga de inutilidade, na minha cabeça não faz sentido, a minha força deveria ser suficiente para retirá-la da fenda.

Retiro o elmo, retiro as luvas metálicas, esfrego as mãos uma na outra por aliviar os músculos e passo as mãos no cabelo. Sentado com as mãos na cabeça, sentindo o peso da incapacidade cada vez mais real, não sairei daqui sem "Sabedoria"... Sabedoria? É isso! Não é uma questão de força, mas de sabedoria! Ela não se move por mais força que eu faça por isso deve estar posicionada de alguma forma que anule toda a força que faço!

Levanto-me novamente e começo a inspecioná-la de perto, observo a fenda, tento puxá-la calmamente em várias direcções, tentando compreeder se existe alguma diferença. Ao puxar na orientação da fenda, ela move-se minimamente. Percebi. Ela está presa de forma que se puxar na vertical com demasiada força, permaneça inalterada, isto porque pelo que parece ela está nesta posição há demasiado tempo, o que poderá fazer com que o a sua dimensão dentro da fenda possa ter alargado minimamente, o que já é suficiente para uma imobilização como estas. Abano-a mais umas vezes e ela acaba por sair completamente, ergo a "Sabedoria" com ambas as mãos em direcção ao Céu, a luz reflecte no seu gume. Um raio luminoso é projectado pela estrada cinzenta fora. Uma sensação de euforia invade-me o corpo, por saber que não me trato de nenhum inútil nem de um incapaz, apenas deixei a minha mente cair nas trevas da realidade física e não fui além. Se o me eu mestre tivesse assistido a este problema, teria no mínimo intitulado-me de "Cabeça de Sopro", como intitulou várias vezes.

Já não parto deste lugar sem a minha "Sabedoria", de agora em diante estará sempre ao alcance das pontas dos meus dedos. Rumo agora a respostas sobre onde estou e o que aconteceu á flora antes existente.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Perdido no Tempo, Certo no Espaço

Como poderei começar? O último detalhe que relembro da minha humilde jornada é o sabor de orvalho que inspirei ao fechar os olhos, recordo uma luz clara que perfurava as imensas folhas verdejantes das gigantes árvores, ainda ouço o piar das pequenas aves que por entre ramos e húmido musgo prosperavam, alimentando as suas crias com vermes provenientes do solo, consigo inalar o aroma fresco da floresta circundante em que me encontrava, sinto ainda levemente aquele ambiente humedecido e vivo, enquanto as flores eram rodeadas pelos insectos que as propagam, as sementes levemente desciam das árvores e dos velhos arbustos, rodopiando como donzelas tímidas e indefeseas, as gotas que se acumulavam nos extremos de tudo o que eram folhas altas e espessas que de tempos em tempos iludiam os ouvidos de quem por ali passava, criando uma sensação de chuva fantasma.

Sim poderei dizer que recordo esses detalhes que descrevo, mas agora tomando o lugar dessa pura povoção naturalista, encontram-se grandes estradas cinzentas, de uma matéria que nunca havia visto, algo duro como pedra mas liso como tecido. As árvores foram substituídas por grandes espetos metálicos com esferas de vidro nas extremidades, e algum objecto pagão protegido por uma outra forma deformada de vidro. Os pássaros, esses? Não os oiço cantar, não terei como responder ao seu paradeiro, pois nem penas, nem patas, nem crias , nem alimento. Se existia algum tipo de prova, não poderei jurar pelo Rei da sua existência, seria logo decepado por pensar profanações, delírios.

Para onde terá ido toda a natureza? Nada verde consigo avistar, meus olhos buscam algo familiar das terras pelas quais passei, nada se assemelha ao que enxergo, as únicas coisas que reconheço são a armudra prateada que envergo, o escudo azulado com detalhes a ferro e a espada que me fora entregue pelo próprio Rei. O escudo sinto-o nas costas, não abandonou o seu fiel dono, já espada encontra-se desembainhada, enterrada no chão como uma lápide de um camarada. O que aconteceu para tudo estar estranho e diferente? Terei de procurar respostas o mais rápido possível, seguirei esta estrada acinzentada e tentarei achar algum habitante deste enorme reino alterado